sábado, 8 de agosto de 2009

Auto-Destruição.

Final do mês de Fevereiro, tarde da noite. Em um cruzamento, houve um acidente. Dois carros chocaram-se, ambos em alta velocidade.
Olhei para os lados, meu olhar aterrorizado. Vi que estava no meio da rua, e tentei lembrar o porquê. Nada me vinha à mente. Tentei falar, mas, por alguma razão, minha voz não saia. Sentia meu corpo inteiro doer, e quando tentei me mexer a dor tornou-se insuportável. Achei mais sensato ficar quieta.
Lembrei-me, então, que havia saído com uns amigos, para nos divertir um pouco. Um líquido quente escorria pela minha testa. Onde estava todo mundo? Recordei-me, então, do acidente. Meu amigo havia bebido demais, mas insistiu em dirigir. Fui tola ao deixá-lo fazer isso. Mas, que poderia eu fazer, uma menor de idade? Se não chegasse em casa à hora marcada minha vida estaria acabada. Mas esse parecia o menor dos problemas no momento.
Meu lábio inferior ardia demais, e sentia o gosto amargo de ferro na minha boca. Vi algumas pessoas rodeando-me. Estavam muito altas. Oh, claro. Eu estava jogada no chão. Aqueles olhares curiosos sobre mim me faziam sentir mal. Sentia um embaraço enorme, uma sensação de inferioridade tomava conta de mim. "Tadinha", ouvi alguém dizer. Lancei-lhes um olhar pedindo socorro, mas ninguém parecia realmente estar olhando para mim. Só estavam satisfazendo sua curiosidade.
Perguntei-me onde estaria minha mãe. Havíamos tido uma briga mais cedo, justamente por causa desse maldito horário. Saí com raiva, bati a porta. Xinguei-a de nomes que me arrependo de ter dito. Porém, o remorso tomou conta de mim na hora da festa, e eu não me deixei ingerir uma gota de bebida alcoólica. Como fui tola! Repito mais uma vez. Lembrei-me, então, do motorista, e tentei forçar o olhar para ver se o encontrava. Dobrar o pescoço causava uma dor dilaceramente, mas isso foi o mínimo ao ver o corpo de meu amigo estirado no chão, à alguns metros de onde eu estava. Não dava para vê-lo direito por causa das pernas das pessoas que me rodeavam, mas podia-se notar que não se mexia. Meu rosto encharcou-se em poucos segundos, e as lágrimas faziam as feridas do meu rosto arderem ainda mais. Um barulho ensurdecedor preencheu os meus ouvidos, e notei que era o da ambulância que se aproximava para me socorrer. "Ainda bem", pensei. Não aguentava mais aqueles olhares por cima de mim, parecendo como agulhas cutucando os meus machucados. Fechei os olhos e desejei estar junto de minha mãe. Desejei que meu amigo só estivesse dormindo ali do lado, que ninguém mais tivesse se ferido naquele terrível acidente. De repente, uma luz branca surgiu no horizonte, eu ainda estando de olhos fechados. Respirar tornava-se cada vez mais doloroso, e alguma coisa me dizia que eu deveria abrir os olhos. Mas eu não podia. Aquela luz era por demais atraente. Era calorosa, bonita. Desejei aproximar-me mais dela, e assim feito. Ela estava tão próxima que acreditava que, se estendesse a mão, poderia tocá-la. Tomei a iniciativa de fazer isso, quando senti uma enorme pressão sobre o meu peito, como se eu tivesse acabado de enfiar o dedo na tomada, e a descarraga elétrica se direcionasse apenas àquela região. Mais uma estocada. A luz afastou-se. Estocada. A luz perdeu um pouco de sua textura. Choque.
Abri os olhos, mas fechei-os logo em seguida. A claridade machucava meus olhos. Arrisquei abri-los mais devagar, para me acostumar com a forte luz. Estava deitada em uma cama branca, rodeada de paredes brancas. O primeiro pensamento que me veio a cabeça foi que eu estava morta, mas, quando notei, estava rodeada de pessoas com vestes verdes-claro. A expressão em seus rosto era de alívio. Tentei retribui o sorriso deles, mas nem consegui abrir a boca. Era como se esta tivesse sido costurada. Mais tarde, o médico me informou que tinha posto uns arames dentro dela, porque eu havia machucado muito a gengiva e perdido alguns dentes. Peguei uma folha de papel e uma caneta e, através destes, arrisquei perguntar sobre o meu amigo que ocupava o banco do motorista. Sua expressão facial me revelou tudo. O pior havia acontecido. Comecei a chorar. Peguei novamente o papel, e perguntei sobre a minha mãe. Ele apontou para o para a cortina ao meu lado. Lá do outro lado tinha uma cama igual à minha. Fiz uma cara de quem não entendeu, e ele explicou. Quando soube do acidente, minha mãe não pensou duas vezes e pegou o carro para vir atrás de mim. Durante o caminho ela perdeu o controle do carro e chocou-se contra um poste. Estava em coma, agora. Me arrependi profudamente de não ter ido em direção àquela luz quando tive chance.
A minha vida acabou, e eu nem tive chance de aproveitar o fato de eu ter sobrevivido. Não tive escolha. Na madrugada, levantei-me silenciosamente da cama e dirigi-me até a cobertura do hospital. Parei de pé na ponta e olhei para baixo. Adeus.

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